sexta-feira, 27 de abril de 2012

Carta de Jorge Amado para Pilar e José Saramago

Fonte:
Ministério da Cultura do Estado de São Paulo
Museu da Língua Portuguesa
Fundação Casa de Jorge Amado.




Para Pilar e José Saramago
fax: (34-28) 510-299

Salvador, 19 de junho de 1993.
  
                                      Queridos Pilar e José,



Estava eu hoje ditando a Paloma um fax para vocês quando recebi o vosso. Muito obrigado.

Estou bem, em plena recuperação há um mês do infarte.

Somente agora os médicos permitem-me retornar à correspondência. Aqui agradeço, de todo o coração vossos faxes de hoje e de 18 de maio, assim como a carta de José datada de 9 de maio, que tanto me honrou e comoveu.
                                      

Infelizmente  os médicos não me liberaram para comparecer à reunião da Academia Universal das Culturas, que se realizará em Paris a 29 deste mês. Escrevi a meu amigo Yashar Khemal, também membro da Academia, pedindo-lhe que zelasse pelas candidaturas que indiquei - a de Oscar Niemeyer, a de José e a de Ernesto Sabato - às quais acrescentei a de Jack Lang no momento em que ele deixou de ser ministro de Cultura da França.

 Logo que esteja liberado viajarei para Paris, passando por Portugal. Gostaria de saber vosso calendário para o mês de julho.

Zélia, assim como meus filhos Paloma e João, juntam-se a mim num beijo para Pilar  e num abraço afetuoso para José.


Vosso




Jorge Amado


quinta-feira, 26 de abril de 2012



No meio do plano de marketing da gravadora Capitol para lançar os Beatles nos Estados Unidos estava um disco, com esta entrevista promocional, a ser distribuído para todas as rádios da América.

Como vocês decidiram batizar o grupo de The Beatles?
John - Bem, eu tive uma visão quando tinha 12 anos. E eu vi um homem em uma torta flamejante e ele disse: "Vocês serão Beatles com um A". E aqui estamos nós (risos). De qualquer jeito, foi como começou.

E para você, Paul, como começou?
Paul - Nós fizemos nosso primeiro LP no começo de 1963 e ele foi um hit. Mas eu acho que ... hmmm ... que tudo começou de verdade quando fizemos o Sunday Night at the London Paladium. E dali nós fomos convidados para o Royal Variety Command Performance, você sabe, então conhecemos a rainha mãe, e ela nos aplaudiu ... (risos).
John - A princesa Margaret também.

Vocês sabem quantos discos vocês venderam até hoje?
Ringo - Hmmm, bem ... Dá última conta era 6 milhões, eu acho.
John - Esses foram só os discos do Ringo (risos)
Ringo - É verdade, os dos outros estão em liquidação (mais risos)

Vocês ouviram falar que seus discos estão entrando nas paradas de sucesso em países por todo o mundo?
George - Sim. Bem, nós ouvimos falar que nosso último single, I Want To Hold Your Hand, entrou no Top 20 da Austrália direto no número um, o que é bem bacana. E eu acho que está vendendo bem na Finlândia e Suécia e lugares como esses, também.
Ringo - Na Irlanda, também.
John - Em Israel, eu acho.

Mas vocês nunca imaginaram ter uma aceitação mundial ...
George - (irônico): Bem, isso seria educado de se dizer (risos)
Ringo - Nós temos muita sorte.

Dizem por aí que vocês usam perucas.
Paul - Não, isso é um rumor sujo. Não usamos.
John - O que acontece é que cortamos nossos próprios cabelos (risos)

O que os influenciou a deixar os cabelos tão compridos?
Paul - Acho que foi meu pai, na verdade. Ele disse: "Sabe, filho, você está um pouco careta", com aquele cabelo que eu tinha - você sabe, curto atrás e dos lados. Então ele disse: "Por que você não faz um corte beatle"? (muitos risos)

Vocês se sentiram em perigo por conta do assédio das fãs mais destemidas?
Paul - Bem, elas são destemidas, mas nós ... bem, nós gostamos. Nós nunca terminamos com nenhum arranhão, porque os policiais são igualmente destemidos. A polícia tem um belo time (risos).

Onde vocês arrumaram essas roupas bacanas?
Ringo - Não sei. Nós estávamos apenas passeando pela cidade e olhamos por uma vitrine. E gostamos do que vimos e simplesmente compramos um terno cada um e decidimos que seriam nossas roupas de palco. Foi como começou, sabe? E nos vestimos assim desde então.

Várias de suas canções contêm palavras como "you", "me", ou "I". 
George - "Please please me", "From me to you" ...
John - "She Loves you", "I want to hold your hand" ...

Exatamente. Qual o significado disso?
Paul - Nenhum, a única ideia é que, bem, quando nós cantamos canções, nós preferimos aquelas com um tipo de toque pessoal, como você vê. Então, o melhor jeito de colocar isso em uma música é escrevê-la com palavras como "eu" ou "você" ou "mim" ou "ele". Ou "por" ou "através" ou "que" (gargalhadas).

Entrevista gravada e distribuída em fevereiro de 1964, durante a primeira visita dos Beatles à América.
Fonte: Revista Bizz Edição Especial - "The Beatles: tudo sobre a caixa de DVDs Anthology".

I Saw Her Standing There - http://www.youtube.com/watch?v=oWdqh2PPvTI






quarta-feira, 25 de abril de 2012



John Lennon

Foi uma época maravilhosa aquela. Eramos como os reis da selva, e bastante chegados aos Stones. Não sei se os outros ficaram muito íntimos, mas eu passava bastante tempo com Brian e com Mick. Eu os admiro, sabe? Curti da primeira vez que os vi, naquele lugar de onde eles vêm, Richmond. Passei muito tempo com eles, e foi ótimo. Todos nós costumávamos ir até Londres de carro, encontrar uns com os outros, falar sobre música com Eric e os Animals, tudo o mais. Foi realmente o melhor período, em termos de fama. Não eramos tão perseguidos. Era como um clube de fumantes masculino, só nos melhores ambientes. Brian Jones ficou diferente ao longo dos anos, enquanto se desintegrava. Ele acabou como aquele tipo de cara que , quando telefona, a gente tica com medo, porque sabe que vem problema. Ele realmente sofreu muito. No começo, tudo bem, porque era jovem e confiante. Foi daqueles caras que se desintegram na frente da gente. Não era brilhante, ou nada disso, era só um cara legal.
As excursões dos Beatles eram como o filme "Satyricon", de Fellini, Tínhamos essa imagem. Cara, nossas excursões eram demais. Se você conseguia embarcar, então estava dentro. Eram como o "Satyricon", sim senhor.
Em todos os lugares onde íamos, tinha sempre muita coisa acontecendo. Tínhamos quatro quartos separados. Tentávamos mantê-los fora de nossos quartos. Os quartos de Derek e Neil estavam sempre cheios de drogados e prostitutas, sabe lá Deus quem mais, e policiais também, "Satyricon"! Precisávamos fazer alguma coisa. O que a gente faz quando o efeito da pílula não passa e está na hora de ir? Eu costumava ficar acordado a noite toda com Derek. quer tivesse mais alguém ou não. Não conseguia dormir, com as coisas da pesada acontecendo. eles não as chamavam de tietes, naquela época, chamavam-nas de outra coisa; e se não conseguíamos tietes, arranjávamos prostitutas e tudo o mais, qualquer coisa que estivesse acontecendo.
Quando chegávamos à cidade, "chegávamos à cidade". Ninguém tinha dúvidas a respeito. Existem fotografias minhas em Amsterdã, de joelhos, saindo de prostíbulos, e coisas assim. A polícia me acompanhava aos lugares, porque nunca queriam nenhum escândalo, sabe como é? Na verdade não quero falar sobre isso, porque magoa Yoko. E não é justo. É suficiente dizer que as excursões eram como "Satyricon", e pronto, porque não quero magoar sentimentos das garotas de outras pessoas. Simplesmente não é justo.

terça-feira, 24 de abril de 2012

For No One



Texto de Steve Turner

Com sua melodia misteriosa e uma seção de sopros, trata-se de uma das mais belas composições de Paul. 'For No One' foi escrita em um chalé alugado a menos de um quilômetro da estação de esqui suíça de Klosters, onde ele e Jane passaram um curto período de férias em março de 1966. Ele voltou da Suíça para trabalhar em 'Revolver', e Jane começou os ensaios para interpretar a jovem Ellen Terry em 'Sixty Thousand Nights' no Royal Theatre, em Bristol.
Através de uma série de flashbacks de sua vida juntos, a música capta o início da descoberta de que os sentimentos de alguém  desapareceram. Em uma entrevista, Paul afirmou que era sobre sua própria experiência de viver com uma mulher quando tinha acabado de sair de casa. O título provisório era 'Why Did It Die?', e ele admitiu depois que provavelmente era sobre 'mais uma discussão' com Jane.

segunda-feira, 23 de abril de 2012



Nenhum de nós teria conseguido sozinho (explicou certa vez Lennon), porque Paul não era suficientemente forte, eu não tinha muito charme com as mulheres, George era quieto demais e Ringo era o baterista. Mas nós achamos que se nos juntássemos, cada pessoa poderia gostar de pelo menos um de nós, e foi nisso que deu.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

"Enigma de Uma Tarde de Outono"



Enigma de Uma Tarde de Outono - c. 1910
Giorgio de Chirico

Texto: Mariana Shirai
Revista Época - 05 dez 2011

Aos 21 anos, o italiano Giorgio de Chirico (1888 - 1978) já tinha uma sólida formação em pintura e filosofia adquirida em Atenas, onde nascera, e , a partir de 1906, em Munique, na Alemanha, onde vivera e estudara. Ele estava em Florença e se recuperava de uma "penosa doença intestinal" quando, sentado num banco da Praça Santa Croce, teve uma sensação desconcertante. "Tudo, até mesmo o mármore dos edifícios e as fontes, parecia estar em convalescença", escreveu. "O Sol de outono, frio e pouco afetuoso, iluminava a estátua e a fachada da igreja. Então, tive a estranha impressão de que estava olhando para todas essas coisas pela primeira vez." Foi ali que ele concebeu o quadro Enigma de Uma Tarde de Outono.
De Chirico conseguiu, em sua obra, uma façanha rara: tornar visível de maneira realista aquilo que é imperceptível aos olhos. Ao tentar registrar com pincel e tinta os fenômenos que vivia, criou um movimento que ficou conhecido como Pintura Metafísica, decisivo para o surgimento, na década de 1920, da estética que misturava sonho e realidade e recebeu o nome de surrealismo.
Seu quadro Enigma de Uma Tarde de Outono retrata a Praça Santa Croce, mas não de maneira objetiva. A fachada da igreja renascentista lembra um templo grego, um mastro de navio é visto atrás de uma parede e a estátua de Dante é retratada sem cabeça e de costas. Ele expressou as diferentes emoções e os significados misteriosos que sua "revelação" (nome dado pelo artista a esse tipo de experiência) proporcionou. Com referências a mitologia grega e às experiências íntimas, essa nova maneira de pintar misturava diferentes perspectivas num mesmo quadro, usava cores pálidas e ambientes desertos. Ela combinava perfeitamente com o sentimento de melancolia e desorientação do homem moderno.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Os Invasores



Mario Quintana


Há muito tempo que os marcianos invadiram o mundo:
são os poetas
e
como não sabem nada de nada
limitam-se a ter os olhos muito abertos
e a disponibilidade de um marinheiro em terra ...
Eles não sabem nada nada
- e só por isso é que descobrem tudo.




- A foto acima retrata a poeta Cia Rinne, nascida na Suécia, em 1973.
Sua obra mais famosa é "Sons para Solistas", que junta texto e som.
Atualmente a poeta mora em Berlim.
Sons para Solistas - http://www.youtube.com/watch?v=y2NaLpiHOzU

terça-feira, 17 de abril de 2012

"No Mar Sem Hipocampos"



Marina Colasanti


Assim que anoiteceu, saiu para pescar. Peixes não, estrelas.
Afastou-se da casa, atravessou um campo até o seu limite.
Na linha do horizonte, sentado à beira do céu, abriu a caixa das frases poéticas que havia trazido como iscas. Escolheu a mais sonora, prendeu-a firmemente na rebarba luzidia.
Depois, pondo-se de cabeça para baixo, lançou a linha no imenso azul, deixando desenrolar todo o molinete.
E, paciente, enquanto a Lua avançava sem mover ondas, começou a longa espera de que uma estrela viesse morder o seu anzol.

segunda-feira, 16 de abril de 2012



Às vezes
Os sonhos amanhecidos
Nos trazem lembranças
Das noites passadas.


A ferro e a fogo
Retomam momentos
Remontam sentidos
Retidos no dia.


Às vezes um dia vivido
Nos cai como um sonho
De cor e desejo.


Com sons e sentidos
Refaz o sorriso
Das belas crianças
Dormidas em nós.

ALECSANDER SANTOS

domingo, 15 de abril de 2012

"O Tesouro das Horas"

                          Helena Kolody

A cada dia,

a vida me oferece

o tesouro das horas

inteiramente minhas.



           

sábado, 14 de abril de 2012

Robert Doisneau

Hoje temos o centenário de um ícone da fotografia mundial. 
Robert Doisneau transformou cenas simples do cotidiano da capital francesa em belas imagens.





Robert Doisneau (14 de abril 1912 - 1º de abril 1994)

Qualificado como o "fotógrafo da Paris do século XX", Robert Doisneau nasceu nas cercanias da capital francesa. Formado profissionalmente como litógrafo, começou a se interessar pela fotografia quando era empregado em um estúdio de artes gráficas, ao mesmo tempo em que incrementava seus conhecimentos artísticos. Antes de se dedicar plenamente ao fotojornalismo, trabalhou com publicidade e como fotógrafo industrial para a montadora de automóveis Renault. Durante a ocupação alemã, colaborou com a Resistência, e em 1944 registrou a libertação de Paris, em cuja campanha conheceu Henri Cartier Bresson. Membro destacado da escola "humanista francesa", foi um fiel colaborador da agência Rapho.
Coleção Folha Grandes Fotógrafos

sexta-feira, 13 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

"Empyrean Isles"

"O jazz é a música que expressa o melhor do espírito humano. 
Tem a ver com a ideia de compartilhar, não com a de competir. 
Jazz tem a ver com trabalho em grupo".

Herbie Hancock em entrevista à Folha de São Paulo, em 2006



Em junho de 1964, o pianista Herbie Hancok, o trompetista Freddie Hubbard, o baixista Ron Carter e o baterista Tony Williams entraram em estúdio para as gravações de "Empyrean Isles", o quarto disco da carreira de Herbie Hancock, lançado pelo selo Blue Note Records. As composições e arranjos das músicas são todas de autoria de Herbie Hancock: One Finger Snap; Oliloqui Valley; Cantaloupe Island; The Egg.

Herbie foi integrante nos anos de 1960 do quinteto de Miles Davis, por cinco anos, graças a indicação do seu baterista Tony Willians, que aos 17 anos participou da gravação de "My Point of View", segundo álbum do pianista. A carreira de Herbie Hancock começou a despontar cedo, aos 22 anos ele lançou o seu primeiro disco, "Takin' Off" , de 1962.

O Filme "Blow-up", de 1966, do diretor italiano Michelangelo Antonioni, teve Herbie Hancock como autor da trilha sonora. A presença das bandas Yarbirds (com o então jovem guitarrista Jimmy Page) e Tomorrow ocorrem, em parte, pela aproximação que Herbie teve da música pop. O seu principal trabalho para o cinema foi no filme "Round Midnight", de 1986, vencedor de Oscar de melhor trilha sonora. O drama do diretor francês Bertrand Tavernier é uma bela homenagem à música, considerado por muitos "a obra que tratou com mais sensibilidade a figura do músico de jazz no cinema" (Carlos Calado).

"Só quem passou o ano de 1994 fora deste planeta, ou recluso em um mosteiro, não ouviu "Cantaloup (Flip Fantasia), o sucesso da banda inglesa de jazz- rap US3, que até hoje continua a ser executado nas rádios. Muitos não sabem que essa gravação é um remix de Cantaloup Island, composição de Herbie Hancock." (Coleção Folha Clássicos do Jazz)

Cantaloupe Island (Herbie Hancock) - http://www.youtube.com/watch?v=W4WE2VbPAag







quarta-feira, 11 de abril de 2012

"Kind Of Blue"

Na Nova York de fins da década de 50, Miles vivia num apartamento na esquina da Décima Avenida com a Rua 57. Adorava o arranjador Gil Evans, o pianista Bill Evans, o saxofonista John Coltrane e George Russel. Por que George Russel? "Acho que começa um movimento no jazz saindo da convencional seqüência de acordes, um retorno à ênfase na melodia. Estou a fim de escrever música sem acordes, baseada em escalas", declarou Miles ao crítico Nat Hentoff nesse apartamento, em 1958.
Um ano antes, em julho de 1957, assisti na School of Jazz em Lenox à histórica palestra em que o arranjador e compositor George Russel expôs para nós, estudantes, o resultado de seus estudos concentrados numa escala derivada do modo lídio, que originou a inovadora teoria do jazz modal criada entre 1950 e 1953 e descrita em seu livro "Lydian Chromatic Theory of Tonal Organization. Essa concepção teria aberto as portas para que seu fervoroso admirador Miles Davis construísse em 1959 um dos mais belos discos da história do jazz, "Kind Of Blue, cuja inovação era precisamente o emprego do jazz modal. Não custa lembrar que o principal pianista desse disco, Bill Evans, escreveu o texto da contracapa. O mesmo Bill Evans que já fora pianista em discos de George Russel. Esse episódio mostra a argúcia de Miles Davis tanto na escolha de seus músicos como na percepção antecipada do que viria a acontecer, o dom de um visionário.

Zuza Homem de Melo -  Revista "The President" (dez/2011)

Nesse Blog tem postagens anteriores sobre o "Kind Of Blue"


terça-feira, 10 de abril de 2012

"Time Out"

A última coisa que Dave Brubeck esperava quando entrou no estúdio, em 1959, com uma pilha de músicas mal-ajambradas era fazer sucesso. O pianista de óculos já tinha construído um invejável império de fãs com seus conceitos pioneiros em universidades. Um experimentador cheio de vida, que nunca deixou a popularidade interferir em sua inspiração, Brubeck gravou um dos mais populares discos de jazz de todos os tempos com um material que não valia muito, para dizer o mínimo.
Na faixa "Take Five", concebida previamente nos compasso 5/4, pouco apropriado ao swing, o pianista se mantém num improviso percussivo permanente, enquanto o sax alto de Paul Desmond navega em uma lina sinuosa. Muitas vezes, Brubeck não é a estrela do trabalho. Poucos se lembram que Desmond - que, com seu estilo seco, teve um papel importante no sucesso do quarteto - é o autor desse inesquecível hit. Da mesma forma, é fundamental a bateria segura de Joe Morello e a solidez do baixo de Eugene Wrijght, que transformaram um material difícil como "Blue Rondo À La Turk, no compasso 9/8, e "Three To Get Ready", que oscila entre 3/4 e 4/4, em uma matéria-prima fundamental do jazz. É bom lembrar que, nessa época, John Coltrane, Cecil Taylor e Ornette Coleman estavam abrindo os caminhos do free jazz.
Na lógica defensiva dos críticos de jazz, Brubeck muitas vezes foi considerado maldito e perdeu ainda mais valor com o sucesso que "Time Out" fez entre o público em geral. Mas o álbum continua vendendo bem até hoje e, apesar de seu uso excessivo em anúncios, representa um feito fascinante.

1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer

Take Five -  http://www.youtube.com/watch?v=vmDDOFXSgAs

segunda-feira, 9 de abril de 2012

"Birth of the Cool"

Ano de 1949, saído de baixo das asas de Charlie "Bird" Parker e Dizzy Gillespie, Miles Davies, aos 24 anos, percebe que esta perdendo tempo ao tentar replicar os vôos harmônicos vertiginosos de seus mentores de bebop. A solução: juntar um bom time de músicos de estúdios de Nova York e tentar reconstruir e desconstruir o vocabulário bebop num espaço novo de improvisação. E espaço, para Miles, é o lugar fundamental de criação nesta sua primeira sessão de jazz como líder de banda.
Entrelaçando os tons surdos de seu trompete com os arranjos orquestrais urbanos ao gosto de Gil Evans, Gerry Mulligan e John Lewis, Miles dá forma a um harmônico cool jazz, que bebe tanto da música clássica européia como do hot jazz do bebop ou do ragtime. Seu solo de trompa, sem vibrato, na música de abertura, "Move", abre o caminho para uma série de poemas em tom impressionista, uma resposta velada ao excesso de acordes do bebop. Mas é uma música cool com balanço: é só ouvir Miles interagindo com o leve sax alto de Lee Konitz em "Jeru".
O fotógrafo Aram Avakian capta com precisão o jogo entre a frieza controlada e o poder emocional concentrado na música de Miles na simbólica fota da capa do disco. Os críticos também identificaram a "quietude audaciosa" do álbum - o público, no entanto, não gostou. O estilo cool foi deixado de lado até sua ressurreição no revisionismo feita na Costa Oeste dos grupos de meados dos anos 50. E Miles? Ele levou sua música cool para o cinema, no filme "Ascensor para o Cadafalso" (1957), de Louis Malle, apurando esse estilo até chegar à sua obra-prima Kind of Blue (1959), numa carreira voltada para a colaboração musical e a renovação de linguagem.
1001 discos para ouvir antes de morrer.


domingo, 8 de abril de 2012

"My Favorite Things"

Em outubro de 1960, John Coltrane entra no estúdio, em Nova York, para gravar "My Favorite Things", acompanhado por McCoy Tyner no piano, Steve Davis no baixo, Elvin Jones na bateria.

"My Favorite Things" é o primeiro álbum de Coltrane lançado pela Atlantic Records, em 1961.

Além da faixa que dá o nome ao disco, composta por Richard Rodgers e Oscar Hammerstein, o álbum ainda conta com "Everytime We Say Goodbye" de Cole Porter, "Summertime" e "But Not For Me" de Gershwin".

John Coltrane - "My Favorite Things"


sábado, 7 de abril de 2012

8ª Sombra - Último Fantasma

Castro Alves (ago/1870)

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada ...
Sobre as névoas te libras vaporoso ...


Baixas do céu num vôo harmonioso! ...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ...


Onde nos vimos nós? ... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte ...
Por quem meu peito em sonhos desespera? ...


Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte! ...






quinta-feira, 5 de abril de 2012

"Cada espécie de homens tem suas características, seus aspectos, seus vícios e virtudes e seus pecados mortais. Um dos signos do Lobo da Estepe era o de ser um noctívago. A manhã era para ele a pior parte do dia, causava-lhe temor e nunca lhe trouxera nada de bom. Nunca fora alegre em qualquer manhã de sua vida, nunca fizera nada de bom na primeira metade do dia, não tivera boas idéias, nem divisara nenhuma alegria para ele ou para os demais. Ao começar a tarde, ia reagindo lentamente, principiava a se animar e, ao cair da noite, em seus melhores dias, tornava-se frutífero, ativo e, às vezes, até brilhante e alegre. Disso decorria sua necessidade de isolamento e de independência. Nunca existira um homem com tão profunda e apaixonada necessidade de independência como ele. Em sua juventude, quando ainda era pobre e tinha dificuldades em ganhar a vida, preferia passar fome e andar malvestido a sacrificar uma parcela de sua independência. Nunca se vendera por dinheiro ou vida fácil às mulheres ou aos poderosos, e mil vezes desprezara o que aos olhos do mundo representava vantagens e regalias, a fim de salvaguardar a sua liberdade. Nenhuma ideia lhe era mais odiosa e terrível do que a de exercer um cargo, submeter-se a horários, obedecer a ordens. Um escritório, uma repartição, uma sala de audiência, eram-lhe tão odiosos quanto a morte, e o que de mais espantoso podia imaginar em sonhos seria o confinamento num quartel. Sabia subtrair-se a todas essas coisas, à custa de grandes sacrifícios, e nisso residiam sua força e virtude, nisso era inflexível e incorruptível, nisso seu caráter era firme e retilíneo. Só que a essa virtude estavam intimamente ligados seu sofrimento e seu destino. Ocorria a ele o que se dá com todos: o que buscava e desejava com um impulso íntimo de seu ser acabava por ser-lhe concedido, mas em grau demasiadamente superior ao que convém a um homem. A princípio, o que obtinha parecia-lhe um sonho e uma satisfação, mas logo se revelava como sendo o seu amargo destino. Assim, o poderoso era arruinado pelo poder, o rico pelo dinheiro, o subserviente pela submissão, o luxurioso pela luxúria. O Lobo da Estepe perecia por sua própria independência. Havia alcançado sua meta, seria sempre independente, ninguém haveria de mandar nele, jamais faria algo para ser agradável aos outros. Só e livre, decidia sobre seus atos e omissões. Pois todo homem forte alcança indefectivelmente o que um verdadeiro impulso lhe ordena buscar. Mas em meio à liberdade alcançada Harry compreendia de súbito que essa liberdade era a morte, que estava só, que o mundo o deixara em paz de uma inquietante maneira, que ninguém mais se importava com ele, nem ele próprio,  e que se afogava aos poucos numa atmosfera cada vez mais tênue de falta de relações e isolamento. Havia chego ao momento em que a solidão e a independência já não eram seu objetivo e seu anseio, antes sua condenação e sentença. O maravilhoso desejo fora realizado e já não era possível voltar atrás e de nada valia agora abrir os braços cheio de boa vontade e nostalgia, disposto à fraternidade e à vida social. Tinham-no agora deixado só. Não que fosse motivo de ódio e de repugnância. Pelo contrário, tinha muitos amigos. Um grande número de pessoas o apreciava. Mas tudo não passava de simpatia e cordialidade; recebia convites, presentes, cartas gentis, mas ninguém vinha até ele, ninguém estava disposto nem era capaz de compartilhar sua vida. Agora rodeava-o a atmosfera do solitário, uma atmosfera serena da qual fugia o mundo em seu redor, deixando-o incapaz de relacionar-se, uma atmosfera contra a qual não poderia prevalecer nem a vontade nem o ardente desejo. Esta era uma das características mais significativas de sua vida."
O Lobo da Estepe - Hermann Hesse .

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Café à Noite na Place Lamartine em Arles


Setembro de 1888
Óleo sobre tela (70X89 cm)
Yale University Art Gallery, New Haven, EUA


"Este é um dos quadros mais feios que já fiz. Equivale, mas é diferente, aos Comedores de Batatas. Tentei expressar as terríveis paixões humanas com o vermelho e o verde. A sala é vermelho-sangue e amarelo apagado, com uma mesa de sinuca verde no meio, quatro lâmpadas amarelo-limão, que expandem uma luz laranja e verde. Por todo canto existem uma luta e uma antítese dos diferentes verdes e vermelhos, nos personagens de pequenos delinquentes que dormem, na sala vazia e triste, em lilás e azul. O vermelho-sangue e o verde-amarelo da sinuca entram em contraste com o verde suave Luis XV do caixa, onde encontra-se um maço de flores rosas A roupa branca do proprietário, que vigia de um canto dessa fornalha, ficou amarelo-limão, verde pálido luminoso. (...) Tentei expressar a ideia de que o café é um local em que podemos nos arruinar, ficarmos loucos, cometer crimes. Tentei também expressar a potência tenebrosa quase de um abatedouro (...) e de qualquer forma sob uma aparente leveza japonesa."

Trecho da Carta de Van Gogh ao seu irmão Theo:

terça-feira, 3 de abril de 2012

"O Invasor"

Três amigos donos de uma construtora entram em divergências. A solução encontrada pelos dois que ambicionam um negócio ilícito é matar aquele que esta discordando de ganhar uma boa bolada de maneira fácil. O assassino contratado passa a incomodar ao ponto de um dos contratantes beirar a loucura. 

Marçal Aquino escreveu "O Invasor" e "Cabeça a Prêmio" que se tornaram filmes, assim como "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios" que terá a sua estréia nas telas nesse mês de abril. Vencedor do prêmio Jabuti com a obra "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos", de 1999, também são de sua autoria "Faroestes", de 2001, "Famílias Terrivelmente Felizes", de 2003. Marçal Aquino ainda trabalhou nos roteiros de cinema de "Os Matadores", "Ação entre Amigos", "Nina" e "O Cheiro do Ralo".

O elenco do filme "O Invasor" conta com: Marco Ricca, Alexandre Borges, Paulo Miklos, Mariana Ximenes, Malu Mader, George Freire, Chris Couto e Sabotage. A direção é de Beto Brant .

Tony Bellotto escreveu na apresentação do livro:
Com sua prosa aparentemente simples, Marçal Aquino faz em "O Invasor" uma ultrassonografia sórdida do cotidiano. Através do látex da hipocrisia que permeia os relacionamentos, Marçal desvenda o horror que move os seres por estranhos labirintos - sociedades, famílias, casamentos, amizades - e outras formas ao mesmo tempo absurdas e corriqueiras do teatro humano. Teatro em que não faltam crime, morte, sexo, traição, inveja, mentira, violência, dissimulação, brutalidade, melancolia, dor e até amor verdadeiro. Cabe a Anísio, o Invasor, fazer chover no piquenique de todo mundo. Como um cavaleiro do apocalipse travestido de matador profissional, o Invasor revela aos outros personagens a extensão do vazio em que chafurdam. Vale o alerta: cuidado com as prosas aparentemente simples e as novelas enganosamente curtas. Elas podem ser uma armadilha para enredar o leitor numa grande história.


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Andrea Doria


(Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá)

As vezes parecia que de tanto acreditar
Em tudo que achávamos tão certo,
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco
mais:
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços de vidro.

Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente.
Quase parecendo te ferir

Não queria te ver assim -
Quero a tua força como era antes.
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada.

Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.

Eu sei - é tudo sem sentido.
Quero ter alguém com quem conversar,
Alguém que depois não use o que eu disse
Contra mim.

Nada mais vai me ferir.
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui
E com a minha própria lei.
Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais,
Como sei que tens também.