quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Casa de Astérion

Texto: Jorge Luis Borges

E a rainha deu à luz um filho que se chamou Astérion.
Apolodoro, Biblioteca, III, I.

Sei que me acusam de soberba, talvez de misantropia e talvez de loucura. Tais acusações (que eu castigarei no devido tempo) são irrisórias. É verdade que não saio de minha casa, mas também é verdade que suas portas (cujo número é infinito *o original diz catorze, mas sobram motivos para inferir que, na boca de Astérion, esse numeral equivale a infinitos) estão abertas dia e noite para os homens e também para os animais. Que entre quem quiser. Não encontrará aqui pompas de mulher nem o bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. Encontrará igualmente uma casa como não há outra na face da Terra. (Mentem os que afirmam que no Egito há uma parecida.) Até meus detratores admitem que não há um único móvel na casa. Outro caso ridículo é que eu, Astérion, sou um prisioneiro. Devo repetir que não ha nenhuma porta fechada, devo acrescentar que não há fechadura? Além do mais, certo entardecer fui para a rua; se voltei antes de escurecer, foi pelo medo que me infundiram os rostos da plebe, rostos desbotados e achatados, semelhantes à mão aberta. O sol já tinha se posto, mas o choro desvalido de um menino e as toscas lamúrias da multidão disseram que haviam me reconhecido. O povo rezava, fugia, prosternava-se; alguns se encarapitavam no estilóbato do templo dos Machados, outros juntavam pedras. Um deles, creio, escondeu-se no mar. Não em vão foi minha mãe rainha; não posso me confundir com o vulgo, embora minha modéstia deseje.
O fato é que sou único. Não me interessa o que um homem possa transmitir aos demais; como o filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita. As minúcias desagradáveis e banais não têm cabida em meu espírito, que está preparado para o grande; jamais retive a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência generosa não permitiu que eu aprendesse a ler. Às vezes lamento, porque as noites e os dias são compridos.
Claro que não faltam distrações. Feito o carneiro que vai investir, corro pelas galerias de pedra até rolar pelo chão, zonzo. Eu me agacho à sombra de uma cisterna ou na curva de um corredor e brinco de esconder. Há terraços de que me deixo cair, até me ensanguentar. A toda hora posso brincar de fingir que durmo, com os olhos fechados e a respiração forte. (Às vezes adormeço realmente, às vezes já mudou a cor do dia quando abro os olhos.) Mas de tantas brincadeiras a que prefiro é a do outro Astérion. Finjo que ele vem me visitar e que lhe mostro a casa. Com grande reverência digo-lhe: "Agora voltamos à encruzilhada anterior" ou "Agora desembocamos noutro pátio" ou "Bem dizia eu que você gostaria da canaleta" ou "Agora você vai ver uma cisterna que se encheu de areia" ou "Já vai ver como o porão se bifurca". Às vezes me engano e ficamos rindo com muito gosto.
Não imaginei apenas essas brincadeiras; também meditei sobre a casa. Todas as partes da casa se repetem muitas vezes; todo lugar é outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, uma manjedoura; são catorze [são infinitos] as manjedouras, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo. Contudo, de tanto exaurir pátios com uma cisterna e poeirentas galerias de pedra cinza, cheguei à rua e vi o templo dos Machados e o mar. Isso não entendi, até que uma visão da noite me revelou que também são catorze [são infinitos] os mares e os templos. Tudo se repete muitas vezes, catorze vezes, mas há duas coisas no mundo que parecem existir uma única vez: em cima, o intrincado sol; embaixo, Astérion. Talvez eu tenha criado as estrelas e o sol e a casa enorme, mas já não me lembro.
A cada nove anos entram na casa nove homens para que eu os livre de todo mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias de pedra e corro alegremente a seu encontro. A cerimônia dura poucos minutos. Cai um depois do outro sem que eu ensanguente as mãos. Onde caem, ficam, e os cadáveres ajudam a diferenciar uma galeria das outras. Ignoro quem sejam, mas eu sei que um deles profetizou, na hora da morte, que um dia chegaria meu redentor. Desde aquele momento não sofro com a solidão, porque sei que meu redentor existe e no fim se levantará do pó. Se meu ouvido alcançasse todos os ruídos do mundo, eu perceberia seus passos. Oxalá me leve para um lugar com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor?, pergunto-me. Será  um touro ou um homem? Será talvez um touro com rosto de homem? Ou será como eu? 
O sol da manhã reverberou na espada de bronze. Já não restava um só vestígio de sangue.
- Será que acreditarás, Ariadne? - disse Teseu. - O minotauro mal chegou a se defender.

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