quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

AS ÂNCORAS

                        Pablo Neruda


Desde a eternidade navegantes invisíveis me vêm levando através de atmosferas estranhas, sulcando mares desconhecidos. O espaço profundo tem cobiçado minhas viagens que nunca terminam. Minha quilha quebrou a massa móvel de icebergs luminosos que intentavam cobrir as estradas com seus corpos poeirentos. Depois naveguei por mares de bruma que estendiam suas névoas entre outros astros mais claros do que a terra. Depois por mares brancos, por mares rubros que tingiram o meu casco com suas cores e suas brumas. Cruzamos às vezes a atmosfera pura, uma atmosfera densa e luminosa que empapou meu velame e o fez fulgente como o sol. Por longo tempo nos detínhamos em países tiranizados pela água e pelo vento. E um dia - sempre inesperado - meus navegantes invisíveis levantavam minhas âncoras e o vento enfunava minhas velas fulgurantes. E era outra vez o infinito sem caminhos, as atmosferas astrais abertas sobre planícies imensamente solitárias.
Cheguei à terra, ancoraram-me num mar, o mais verde, sob um céu azul que eu não conhecia. Acostumadas ao beijo verde das ondas, minhas âncoras descansam sobre a areia de ouro do fundo do mar, brincando com a flora torcida de sua profundida, apoiando as brancas sereias que nos longos dias vêm nelas cavalgar. 
Meus altos e retos mastros são amigos do sol e da lua e do ar perfumado que os penetra. Pássaros que nunca viram detêm-se neles e depois num vôo de flechas riscam o céu afastando-se para sempre. Eu comecei a amar este céu, este mar. Comecei a amar estes homens ... Mas um dia, o mais inesperado, chegarão meus navegantes invisíveis. Levantarão minhas âncoras arborizadas nas algas da água profunda, enfunarão minhas velas fulgurantes ...
E será outra vez o infinito sem caminhos, os mares rubros e brancos que se estendem entre outros astros eternamente solitários ...


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